Humor, uma espécie de analgésico

O humor e os seus (des)humores

À semelhança do que acontece nos dias de hoje, a definição e opiniões sobre o conceito de humor não foram constantes ao longo dos tempos. Face a isto, torna-se importante clarificar a origem do termo.

Segundo o estudo Fazer rir para não Chorar- Estudo Psicodinâmico sobre o Humor num Grupo de Humoristas, coube ao filósofo Freud, em 1905, teorizar o conceito de humor, na sua função psicológica. Começou por distinguir três géneros do humor, nomeadamente, o chiste, o cómico e o humor. O chiste seria o que, em português, entendemos popularmente por anedota; o cómico despertaria o riso pelo contrassenso, pela surpresa e pelo inesperado, enquanto o humor seria o meio pelo qual a pessoa se recusava a sofrer. Nesta linha de pensamento, o autor fez a distinção do conceito de humor através de duas formas distintas: humor enquanto forma de arte e do humor enquanto mecanismo de defesa.

Como forma de arte, caraterizava-a como uma "atividade destinada a acalmar desejos insatisfeitos, primeiro no próprio artista criador e depois nos seus ouvintes ou nos seus espectadores (...) O primeiro objetivo do artista é libertar-se ele mesmo e, mediante a comunicação da sua obra a outras pessoas que sofrem os mesmos desejos retidos, oferecer-lhes idêntica libertação". Nesta fase, Freud defendia este aspeto como "um meio de obter prazer."

Nota: De acordo com as respostas obtidas no questionário realizado, 260 dos 271 inquiridos consideram o humor como uma forma de arte. 

Já no humor enquanto mecanismo de defesa, destacou a importância do papel do humor no julgamento do outro. Para o filósofo este surgiu como forma de lutar contra o sofrimento psíquico, nomeadamente a morte, o envelhecimento, as doenças, entre outras.

Mas, será esta a única definição de humor? Os autores Simmer, 1910, e Durkheim, 1996 analisaram este conceito de uma forma distinta. Para estes "o humor é um intervalo do jogo do quotidiano, um processo de interação em que os indivíduos reconstroem formas sociais e recebem novas instruções de codificação e descodificação da realidade." 

Nota: Apesar de em menor número do que os dados anteriores, 229 inquiridos concordam com a afirmação - o humor as "pessoas reconstroem as formas sociais" (Simmer, 1910) e recebem novas instruções de codificação e descodificação da realidade" (Durkheim, 1996). 

Face a isto, segundo o artigo Feitiço do tempo da comédia de Nuno Amaral Jerónimo e José Carlos Alexandre, o discurso humorístico legitima-se enquanto instrumento estratégico de fuga de um mundo real que suscita medo, desorientação e revolta, mas também enquanto processo suplementar do domínio e controlo dessa mesma realidade humana e social.

No mesmo artigo, definem-se os conteúdos humorísticos como "quaisquer eventos ou formulações discursivas, intencionadas ou inadvertidas, que provoquem experiências cognitivas culturalmente partilhadas capazes de suscitar o riso e providenciar divertimento." 

Para tal, torna-se necessário a compreensão de uma variedade de mecanismos linguísticos e retóricos, assim como físicos, usados para comunicar, socializar e interagir. As mensagens devem ser mutuamente compreensíveis e suscetíveis de forma a provocar o riso tanto para o falante como para o ouvinte, objetivo principal do humor.

A interpretação do humor é vista, assim, como uma forma de contrato social ou de cooperação na conversa que ocorre entre as duas partes. Dito de outra forma, uma piada negociada é uma piada construída pelo humorista para o leitor.

Nota: Mais uma vez, a maioria dos inquiridos concorda com a premissa apresentada (211 inquiridos de um universo de 271). 

Num panorama mais atual, Anton C. Zijderveld (1983) faz ainda outra distinção do termo. Acredita que "o humor deve ser considerado como um jogo de significados entre os vários aspetos da vida." Este conceito surge associado à oportunidade cognitiva e social que os seres humanos possuem de jogar e brincar com as construções dos sentidos dos seus contextos culturais no decurso das suas ações e interações da vida quotidiana, permitindo-lhes gerir formas de experimentação e negociação de forma partilhada.

Graças às novas tecnologias este fenómeno é ainda mais notável. A explosão de produtores e produtos humorísticos tem invadido o espaço mediático de uma forma impossível de controlar, quer do ponto de vista da intervenção sobre o significado, quer do ponto de vista da dimensão do espectador, impossibilitando-o de acompanhar e conhecer tudo o que é produzido sob a forma de comédia.

Uma das mais recentes formas de fazer humor é os memes, estes são também uma consequência da evolução tecnológica. Segundo o projeto Je suis memes UM , os memes "são uma boa ferramenta para satirizar o quer que seja." Estes podem assumir-se em forma de imagem ou gif.

Para a página, os memes assumem uma importância acrescida nos dias de hoje, uma vez que a maioria da sociedade atual tem acesso à internet e consome muitos conteúdos como filmes ou videojogos. O meme pode desempenhar, neste sentido, uma função de auxílio a exprimir o que a pessoa sente. 



Humor, uma (des)carga emocional? A visão de um psicólogo

A definição de humor e as opiniões sobre a temática são muito diferentes entre si. No entanto, não há quem negue a presença, no mesmo, de efeitos psicológicos e sociais benéficos para a população. Joana Mourão, psicóloga dos Serviços de Ação Social da Universidade do Minho, acredita que "o humorista com as piadas, faz o que o psicólogo faz de uma outra maneira, que é permitir à pessoa outra perspetiva sobre a situação, criando-se assim um novo código."

A psicóloga crê que o humor é muitas vezes visto como um intervalo no jogo do quotidiano. Contudo, gostaria que fosse visto como um estilo de vida, "porque se for um intervalo, só acontece em determinados momentos, se for como estilo de vida, é-nos permitido rir mais vezes sobre determinadas coisas, que nós não nos permitimos."

Nota: As respostas obtidas no questionário realizado corroboram a ideia transmitida por Joana Mourão, sendo que 211 dos inquiridos consideram o humor como um intervalo no jogo do quotidiano. Como justificativas, apontam essencialmente a capacidade de evasão, a descontração, a descarga emocional e a reflexão/exploração de mundo variados.

De qualquer das formas, apesar de em menor número, certos inquiridos reconhecem a necessidade de integração do humor na vida quotidiana, cumprindo as funções apresentadas anteriormente. "Da mesma forma que a realidade não é, pura e simplesmente, o real, o humor também não é, pura e simplesmente, fantasia."

Apesar de reconhecer a necessidade de incorporarmos o humor, o sorriso, a brincadeira no nosso quotidiano, Joana Mourão ressalva a importância de não se cair em extremismos. "Vivemos em sociedade, convém que as pessoas percebam quando estamos a brincar e quando não estamos, porque senão vamos ter problemas nos relacionamentos interpessoais." Sendo assim, a psicóloga considera de extrema importância "sabermos rir de nós próprios e possuirmos a capacidade de perceber se podemos ou não brincar com uma certa pessoa, se temos de adotar uma ou outra postura. Sendo que isso, não vai mudar quem nós somos."

Joana Mourão identifica pontos positivos e pontos negativos nas redes sociais. Relativamente ao estado de pandemia, a psicóloga afirma que "as pessoas estão em casa, mas podem interagir." O problema reside na enchente de informação. Para além disso, identifica que o "problema não está nas redes, está na forma como as pessoas as usam, e está na falta de preparação e informação."

A solução é prática: "não temos de seguir tudo, não temos de nos identificar com tudo e temos de ser críticos na hora de escolher. Acho que as pessoas se deveriam restringir e seguir apenas as pessoas que fazem sentido." Indica esta solução especificamente para o humor, "porque se é humor, é para nos rirmos, não é para nos chatearmos ou andarmos a discutir coisas que não fazem sentido."

Apesar de identificar a importância do humor no dia-a-dia, principalmente num estado de surto e confinamento, acredita que pode ser também um grande risco.

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