Longe das luzes da ribalta 

Por cada espetáculo cancelado ficaram sem rendimento, em média, 23 profissionais 

              A pandemia. A cultura em stand by. A obrigação social. 

Perante o panorama epidémico, muitos foram os setores económicos que se viram impedidos de oferecer serviços e, consequentemente, receber retorno financeiro. As atividades tidas como essenciais prosseguiram, o mundo do espetáculo ficou sem bengala. 

De acordo com a associação de Gestão dos Direitos dos Artistas (GDA), cerca de dois terços das apresentações artísticas foram canceladas devido à Covid-19. Segundo as quase mil respostas recolhidas, por cada espetáculo cancelado ficaram em média sem rendimento 18 artistas envolvidos, para além de cerca de 2 profissionais de produção e 3 técnicos.   

De acordo com a PORDATA, em 2018, o número médio de espectadores por sessão (exibição de teatro, concerto ou outros eventos artísticos ao vivo) correspondeu a 461. Sendo assim, realizaram-se 36.620 sessões de espetáculos ao vivo com um total de 16,9 milhões de espectadores, sendo que 2,7% da população empregada em Portugal exercia funções nas atividades culturais e criativas.

Assumindo que estes valores se manteriam em 2020 e que se prevê o cancelamento de dois terços dos espetáculos, estima-se que, durante um ano, não ocorram 24.414 espetáculos. Perante este panorama, calcula-se a perda de 532.226 oportunidades de emprego no mundo artístico. Das quais, 83% corresponderiam a oportunidades para artistas, 6% a possibilidades profissionais de produção e 11% a oportunidades para técnicos.

Durante este período de tempo, o Ministério da Cultura avançou com três medidas de apoio ao setor: um fundo de apoio à criação artística, uma plataforma de encontro online entre empresas e criadores e um festival de música público.

O Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA - STE) explica que nenhuma destas medidas é "universal, direta e imediata". Indica que "a emergência que vivemos no sector, onde 98% dos trabalhadores se encontra sem trabalho há mais de um mês e sem perspetiva de retomar a atividade nos próximos 4 meses, exige uma resposta concreta e imediata por parte deste ministério." O sindicato sugere a necessidade da garantia de medidas a curto, médio e longo prazo para "que estes trabalhadores e suas estruturas estejam em condições de retomar o trabalho quando este for permitido."

Relembre-se então que a abertura de salas de espetáculo ocorreu dia 1 de junho. Apesar do gradual retomar à normalidade, os artistas continuam a tentar reivindicar os seus direitos. O CENA - STE aponta que a reabertura de espetáculos e os respetivos espaços acarreta "um conjunto de grandes responsabilidades para as estruturas que tenham atividades previstas."

A entidade reconhece a necessidade de acesso a testes gratuitos para todos os profissionais envolvidos, "a multiplicação de tempos de ensaio, montagem e apresentação pública, a adaptação de vestiários e camarins, assim como espaços e métodos de funcionamento de bilheteira, todos eles munidos de procedimentos, materiais, equipamentos, bem como planos de higienização, efetuados por equipas reforçadas ou contratadas, pela sua especialização."

No entanto, refere que a diminuição de lotação trará dificuldades financeiras, podendo levar, inclusive, "ao cancelamento de atividades e/ou fecho definitivo de espaços de apresentação." Sendo assim, apela à "criação de um fundo de apoio à aquisição de materiais de proteção e de limpeza, à semelhança do sector do comércio e da restauração."

A Direção Geral de Saúde (DGS) apresentou uma orientação que descreve os pontos de prevenção da transmissão da COVID - 19 em equipamentos culturais. O documento da DGS detalha como deve ser feita a preparação prévia à abertura ao público, bem como as medidas gerais e específicas a adotar. 

Estas são algumas das medidas gerais:

Medidas de salas de espetáculo: 

  • A ocupação dos lugares sentados deve ser efetuada com um lugar livre entre espectadores que não sejam coabitantes, sendo a fila anterior e seguinte com ocupação de lugares desencontrados;
  • Nas salas de espetáculos ou similares com palco, não devem ser ocupadas as duas primeiras filas junto ao palco ou, em alternativa, deve ser garantida a distância de pelo menos 2 metros entre a boca de cena e a primeira fila ocupada;
  • Os intervalos, sempre que possível, devem ser evitados ou reduzidos ao mínimo indispensável, de forma a evitar a deambulação de espectadores.

Nota: Simulação de aplicação das medidas.


Precariedade, reinvenção e solidariedade inversa 

@bernardo.limas
@bernardo.limas

Apesar de reconhecer o impacto que a pandemia tem e terá no mundo do espetáculo, Bernardo Limas, promotor de espetáculo e gestor de carreira de humoristas, reconhece o "mercado" como um limite permanente.

Acredita que os humoristas, como tantos outros artistas, deveriam ser pagos em qualquer altura. Relembra aquele que acredita ser um pensamento pertinente "ganhamos dinheiro em palco, mas depois grande parte desse dinheiro temos de investir para produzir conteúdos online e para nos mantermos relevantes." Afirma ainda que "o humor em Portugal já vive disto quase desde sempre, tirando os humoristas que têm um acesso mais facilitado à televisão e a outros meios de comunicação." 

https://centraldeartistas.pt/
https://centraldeartistas.pt/

Rui Xará, humorista natural de Braga, corrobora. Acredita que a maior parte dos humoristas em período de pandemia não consegue ter retorno financeiro. Refere que "quem consegue fazer dinheiro são dois tipos de pessoas: os que conseguem monetizar os canais estilo YouTube ou as plataformas de angariação, ou aqueles que são muito famosos e têm as televisões ainda a apostar neles."

Para além disso, indica que se não "tivessem minimamente calçados ou se não tivessem uma família com alguma capacidade de nos sustentar, estavam mal." Acrescenta que "alguns estão muito mal, mas pior do que nós estão centenas de músicos, de técnicos de som, os donos e trabalhadores dos teatros, os produtores, os assistentes de sala e toda a gente que vive na economia paralela." 

Perante esta reflexão, aponta dois aspetos essenciais: a necessidade de reinvenção e a importância da existência de uma "solidariedade no sentido inverso" quando as coisas voltarem à normalidade.

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